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O Saber dos Sabores
Vevé Bragança
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Jun Sakamoto, Darcy Ribeiro, Vevé Bragança e o teatro da educação brasileira

Dura veritas sed veritas. Sim, a verdade é dura. Mas, é a verdade.

“As faculdades de gastronomia são um engodo, uma mentira”, disse o empresário e chef sushiman Jun Sakamoto, em entrevista à Revista Época, publicada no dia 05 de setembro de 2016.

As declarações do chef Jun causaram considerável impacto entre estudantes e profissionais de Gastronomia. Muita gente manifestou indignação, boa parte dos leitores demonstrou empatia, mas, ninguém pode e nem deve ficar indiferente às palavras do Sr. Sakamoto.

“A escola brasileira é a escola da mentira. O professor finge que ensina e o aluno finge que aprende”. Disse, enquanto entre nós, o antropólogo, escritor, acadêmico e político brasileiro Darcy Ribeiro. Declaração bombástica. Mas, de pouca repercussão em âmbito popular. Talvez, porque à época não havia internet e nem redes sociais.

O saudoso professor Darcy cumpriu o seu tempo. Entretanto, a sua frase perpetuou-se, profeticamente. E, ao que parece, é cada vez mais apropriada ao contexto educacional atual no Brasil.

Generalizar a questão, pode ser tão imprudente, quanto perigoso. Entretanto, as declarações, tanto do chef Jun Sakamoto, quanto do professor Darcy Ribeiro, de certa forma, não deixam de ser verdades. Contundentes, duras, incômodas. Porém, verdades.

Dura veritas sed veritas. Sim, a verdade é dura. Mas, é a verdade.

Em 2012, um estudo realizado pelo IPM (Instituto Paulo Montenegro) e pela ONG Ação Educativa, demonstrou que 38% dos alunos de universidades brasileiras não dominavam habilidades básicas de leitura e escrita. Ou seja, foram diagnosticados como analfabetos funcionais.

Em 2016, dados do INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional), através de pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa, com apoio do Ibope Inteligência, apontam que no Brasil, apenas, 22% das pessoas que chegam ao ensino superior possui nível de alfabetização classificado como proficiente. 42% é composto por um grupo chamado de intermediário. Porém, 32% possui somente domínios elementares de habilidades como, leitura, escrita e realização de cálculos.

A partir de 2005, no Brasil, observamos o surgimento de diversas instituições particulares de ensino superior, haja vista, as universidades públicas não vinham conseguindo atender à demanda da população brasileira.

Em consonância ao surgimento de faculdades, centros universitários e universidades particulares, vieram os cursos superiores de formação específica sequencial e de educação tecnológica. Dentre estes, o curso de Gastronomia.

Se fosse, pura e simplesmente, pelo nobre propósito de prover educação superior aos não assistidos pelo sistema público de educação, as instituições particulares de ensino superior salvariam o Brasil de todos os seus problemas e, em um curto espaço de tempo, integraríamos o bloco de países do primeiro mundo.

Entretanto, como diz um tradicional ditado tupiniquim, “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. A concorrência fez com que as faculdades optassem por priorizar a quantidade de estudantes nas salas de aulas em detrimento à qualidade de ensino. A educação superior tornara-se um negócio. Não sem propósito, grupos financeiros que atuam em âmbito internacional decidiram investir no negócio educação no Brasil. Alguns até ofertam ações na Bolsa de Valores.

A ambição desenfreada das instituições particulares de ensino superior por pagantes, em países de baixa escolaridade como o Brasil, desencadeou uma acirrada disputa no mercado, e a primeira estratégia adotada foi abdicar do filtro para ingressar nos seus cursos. O processo seletivo tornara-se uma mera formalidade, uma vez que, não há uma linha de corte mínima definida claramente.

Outra estratégia empregada pelas instituições particulares de ensino superior para atrair clientes, é a falácia da qualidade de ensino de padrão internacional, ainda que os melhores índices de avaliação da qualidade de ensino pertençam, tradicionalmente, às universidades públicas.

A consequência desastrosa dessa guerra por pagantes é a adoção de uma política de clientelismo, sob a qual as salas de aulas estão cada vez mais heterogêneas, no tocante ao nível de educação dos estudantes, o que dificulta o trabalho dos professores, comprometendo seriamente o processo ensino-aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos que possuem o nível de educação adequado para estar em cursos superiores.

Um exemplo clássico dos entraves que ocorrem nas salas de aulas de Gastronomia, é a árdua tarefa dos professores que são incumbidos de ministrar aulas sobre FICHA TÉCNICA (instrumento de mensuração e padronização de receitas profissionais). Para atingir o objetivo final, o docente, necessariamente, precisa interromper o assunto em questão para dedicar um tempo precioso ao ensino de tópicos da Matemática básica, pertencentes ao currículo do Ensino Fundamental, como porcentagem e regra de três simples, sobre os quais todos os estudantes já deveriam ter proficiência.

Outro exemplo que ilustra bem esse cenário, é o estudo dos princípios da Culinária Tecno-Emocional, Cozinha erroneamente nominada Gastronomia Molecular, onde o estudante necessita de uma bagagem básica sobre Física e Química, a fim de que possa entender as interações dos elementos que alteram as formas e as texturas dos alimentos. Mas, que, infelizmente, a grande maioria não possui.

Mais do que habilidades para cozinhar, o estudo da Gastronomia é interdisciplinar, englobando conhecimentos básicos sobre Biologia, Geografia, Física, História, Matemática, Química e também Língua Portuguesa, disciplinas que fazem parte dos currículos dos Ensinos Fundamental e Médio. Faz-se necessário ainda, o desenvolvimento da capacidade de raciocínio, a fim de que o estudante possa estabelecer a correlação entre os conteúdos. Daí a importância da abordagem e estudo dos temas transversais na escola.

No Brasil não há, especificamente, Faculdades de Gastronomia. Mas, cursos tecnológicos e de bacharelado que fazem parte da grade de cursos de universidades, centros universitários e faculdades. Bem melhor seria que houvesse. Pois, uma gestão especializada contribuiria para a melhoria da qualidade de ensino. Assim acontece na América do Norte e em países da Europa, onde o estudo da Gastronomia, encontra-se bastante desenvolvido e é levado a sério.